Sabores e emoções na Medicina Ayurvédica

Para manter o equilíbrio apropriado da química do corpo é importante estarmos conscientes da atividade dos elementos dentro do nosso organismo. Com este conhecimento podemos orquestrar o ritmo do corpo e da mente, acrescentando ou subtraindo elementos da dieta conforme o necessário.

Tudo o que provamos, tudo o que toca o nosso paladar produz uma emoção. O paladar é a base para o entendimento da ação de todas as substâncias. Desde tenra infância que exercitamos o paladar, colocando-lhe disponível o sabor de diversas texturas e substâncias para catalogarmos a nossa experiência, e criarmos referências sobre as sensações e reações que nos trazem equilíbrio, e as que nos são nocivas.

A estrutura grosseira do corpo material é construída por sete tecidos, que no Ayurveda são chamados de Dhatus (tecidos do corpo) e são formados a partir dos alimentos que ingerimos. Cada dhatu contém em si uma energia chamada Agni (a energia vital de fogo transformadora), que ajuda a transformar no próximo dhatu. Quando o alimento ingerido está de acordo com a natureza da pessoa, e esta por sua vez mantém todas as disciplinas de educação alimentar, todos os dhatus (tecidos) irão beneficiar e estarão em perfeita harmonia nas suas várias etapas. De todos os dhatus, Shukra (o último tecido a ser construído) contém todos os dhatus dentro dele, por isso, quando há perda excessiva deste dhatu, produz-se um abalo em todos os outros, enfraquecendo o corpo. Quando o Shukra é formado por uma boa alimentação, o Agni transforma a energia de calor em luz, e desta forma, a parte elétrica do corpo também chamada de duplo etérico, produz um brilho conhecido como aura (Ajha).

Como a matéria é denominada após o nome do elemento natural predominante que entra na sua composição, afirma-se que o sabor é um princípio originado pela Água. Este sabor modifica-se através do seu contacto com os demais elementos materiais, e pode ser dividido em seis tipos diferentes, tais como doce, ácido, salgado, picante, amargo e adstringente. Estes, por sua vez, combinam-se uns com os outros e dão origem a sessenta e três tipos diferentes de rasa. Um sabor doce é dotado de abundantes atributos que pertencem especificamente aos princípios materiais da Terra e da Água. Um sabor ácido é predominantemente composto por atributos pertencentes aos princípios materiais da Terra e do Fogo.

Os sabores são também apreciados pela sua característica térmica, Virya, quente ou frio. Dentre estes sabores, o doce, o amargo e o adstringente são frios nas suas propriedades, enquanto o sabor picante, o ácido e o salgado exercem virtudes que geram calor ou são inflamáveis. Os sabores doce, ácido e salgado são pesados e emolientes no caráter, enquanto o picante, o adstringente e o amargo são secos e leves.

Para manter o equilíbrio apropriado da química do corpo é importante estarmos conscientes da atividade dos elementos dentro do nosso organismo. Com este conhecimento podemos então orquestrar o ritmo do corpo e da mente, acrescentando ou subtraindo elementos da dieta conforme o necessário.

Os alimentos ao entrarem no nosso organismo, por meio da boca são descodificados pelo sistema nervoso primeiramente pela impressão do sabor produzido, levando a reacções de produção de enzimas digestivas, hormonas e outras substâncias, baseadas nessa percepção. Os sabores revelam o intricado e dinâmico potencial terapêutico das energias contidas nas substâncias, sobretudo no que concerne a efectivamente intensificar, reduzir ou equilibrar os três humores. Nos textos Ayurvédicos é afirmado que os vários sabores afectam a acção do Prana, da força de vital no corpo; afirmam também que o sabor de uma erva não é um incidente, mas antes a indicação das suas propriedades terapêuticas.

A sensação particular do paladar, sentido na língua é chamada de Rasa. A palavra Rasa é bastante rica em significados estando todos eles intrinsecamente ligados com a Ayurveda. De entre esses significados encontramos: a essência; a seiva; o suco alimentar; o fluido vital; o elixir. Rasa reflecte também o aspecto vivificador do paladar na fisiologia humana. Rasa, os sabores, oferecem a chave para auto-regulação por meio da dieta, sendo sistematicamente aplicados para modificar situações anormais do organismo. Os textos Ayurvédicos recomendam, por isso, a ingestão dos seis sabores a cada refeição, pois desta forma nutrem-se de facto, todas as necessidades do organismo. A falta de um ou mais sabores da dieta diária pode conduzir a variados desequilíbrios e à subnutrição.

Os seis sabores

Doce

A palavra Madhura significa aprazível, encantador, belo, agradável, melodioso, para além de doce. É frio, untuoso, fresco, lento, pesado. Madhura é um sabor que é agradável, confortável, que contribui para a preservação da vida, que mantém a boca húmida, aumenta a quantidade de kapha corporal e pacifica o Vata e Pitta. Predomina a Terra e a Água.

O sabor doce possui a virtude de aumentar a quantidade de quilo linfático, sangue, carne, gordura, osso, medula óssea, albumina (ojas), sémen, e o leite numa gestante. Contribui assim para aumentar os sete Dhatus e a longevidade, entre vários outros benefícios. O sabor doce é construtor, nutritivo, harmoniza a mente e os cinco órgãos sensoriais, e promove o contentamento.

Se ingerido exclusivamente em grande quantidade produz congestão, tosse, dispneia, diminui o fogo digestivo, gera perda de apetite, letargia, preguiça, peso no corpo e despigmentação da pele. Os alimentos doces aumentam a gripe, a bronquite, o sono, a obesidade, e a urina. A capacidade de cura da pessoa diminui já que alimenta a proliferação de bactérias, fungos e parasitas. O sangue fica demasiado viscoso, aumentando o colesterol. O doce com moderação é um néctar, em excesso é um veneno.

Psicologicamente, o sabor doce promove o amor e a compaixão, tendo uma afinidade natural com a alegria, a felicidade e a graça. Por isso o prasada sagrado é doce. O Prasada significa compaixão, amor, riqueza e santidade. Excesso de doce gera apego, ganância, possessividade e adição.

Salgado

A Água e o Fogo estão predominantes. O salgado é quente, pesado, oleoso e hidrofílico por natureza, usado moderadamente acalma o Vata, mas aumenta o Kapha e o Pitta.

O salgado, Lavana, possui virtudes corretivas (purgativas e eméticas), favorece o processo de supuração e a erupção espontânea de edemas. Em moderação promove o crescimento, dá energia e mantém o equilíbrio eletrolítico da água do corpo, auxilia a eliminação de toxinas. Limpa as passagens ou canais internos do organismo e produz maciez nos membros e órgãos do corpo. Possui um efeito suavizante, laxativo, sedativo, anti-espasmódico e anabólico. Estimula a salivação, absorção, assimilação e ajuda na eliminação dos dejectos e da flatulência. Em pequena quantidade estimula a digestão. Em média quantidade é purgativo e, em grande quantidade, causa o vómito. Descongestiona as massas de muco endurecidas, acalma os nervos e diminui a ansiedade. O sal ajuda a fortalecer todos os tecidos, mas quando usado em excesso esgota os mesmos.

Excesso de sabor salgado pode produzir retenção de sódio, levando ao agravamento do Pitta e do Kapha. Torna o sangue grosso e viscoso, levando ao estreitamento dos vasos sanguíneos, e produzindo hipertensão. Devido à sua natureza hidrofílica induz à retenção de líquidos que resulta em edema e inchaço, que pode também levar à hipertensão. O seu excesso provoca o vómito, purgações; provoca a queda de cabelo e torna-os grisalhos. Prejudica o sangue, promove o aquecimento do corpo, fomenta as doenças de pele.

Psicologicamente o salgado enaltece o espírito, a confiança, a coragem, o entusiasmo e o interesse. Se deixar de comer sal por um tempo sentirá embotamento, depressão, perda de criatividade, cansaço, falta de interesse na vida. A mente inquisitiva e investigadora vem do sabor salgado. O salgado favorece o sabor de uma relação. Contudo o seu consumo excessivo cria tentação (já que é aditivo), apego, ganância, possessividade, irritabilidade.

Amargo

É o melhor remédio para equilibrar o Pitta, diminui o Kapha e aumenta o Vata. Tem presentes o Ar e o Éter, é frio, leve e seco por natureza. O amargo favorece todos os outros sabores precisamente pela sua amargura. É antioxidante, anti-inflamatório, antipirético, antitóxico, germicida, estimulante, carminativo, refrescante, laxante, e desintoxica o fígado. É antibacteriano e antiviral, por isso os antibióticos são muitas vezes amargos.

O Tikta (amargo) age de forma a restaurar o apetite normal de uma pessoa por alimentos e produz uma sensação de languidez geral. Em pequenas doses o Amargo pode aliviar a flatulência e funciona como um tónico digestivo. Estimula a firmeza da pele e dos músculos. Alivia o ardor, a comichão, o desmaio, e problemas de pele obstinados. Seca todo o sistema e provoca a redução da gordura, da medula óssea, urina e fezes. É uma excelente terapia para o pâncreas, já que reduz o nível de açúcar no sangue. Desperta a mente e os sentidos, promove a circulação e fortalece o coração, nutre os tecidos, com excepção do reprodutivo. Todos os problemas da bílis são beneficiados pelo sabor amargo, pois esfria eliminando as toxinas. Proporciona estabilidade emocional, melhora a intolerância, elimina irritabilidade e a raiva.

O consumo excessivo de amargo esgota qualquer um dos dhatus e provoca tonturas e inconsciência, secura extrema, emagrecimento, debilidade, estado de choque e cansaço, desequilibrando o sistema nervoso. Por esgotar a medula óssea pode levar à osteoporose. Psicologicamente torna a mente celibatária. Retira a mente das tentações mundanas tornando-a introvertida. Cria aversão ao desejo e promove a autoconsciência. Promove o retiro da mente e dos sentidos do mundo fomentando a introspeção. Contudo, o seu excesso torna a pessoa cínica a aborrecida, podendo levar ao aborrecimento. Cria aversão, separação, isolamento e solidão.

Picante

Pujante ou picante é denominado de Katu e contém Fogo e Ar. É leve, seco e quente por natureza. Produz sensação de ardor na ponta da língua, latejamento da região e cefaleia e é instantaneamente seguido por secreção nasal (coriza abundante). A ingestão de uma pequena porção de Picante pacifica imediatamente o Kapha e o Vata devido ao calor, contudo o consumo prolongado e excessivo cria secura e aumenta tanto o Vata quanto o Pitta. É gorduroso, leve e quente; ajuda nos problemas de Kapha diluindo os mucos congestionados. Antiespasmódico, anti-helmíntico, estimulante, carminativo, diaforético (promove o suor). Estimula o metabolismo e promove as funções orgânicas. Promove o calor estimula a circulação e trata a estagnação do sangue, purificando-o. Abre a mente e os sentidos e limpa os canais energéticos, reduzindo as dores nervosas e a tensão muscular.

Consumido moderadamente suporta o agni e melhora a digestão e absorção, ajudando a libertar desperdícios do corpo. Combate as infecções bucais, diminui a untuosidade, a humidade, a urina e o suor; estimula a digestão aumentando a absorção dos alimentos, aumenta o Agni. Purifica o sangue e o corpo, melhora a circulação sanguínea e ajuda a eliminar coágulos do sangue; elimina os vermes, e cura doenças de pele.

O picante traz entusiasmo, vitalidade, vigor, coragem, brilho corporal e determinação. Remove obstruções mentais e traz clareza à percepção. Ajuda a mente a investigar, explorar, sondar, e a concentrar. A mente torna-se focada, penetrante, atenta e determinada. Contudo o excesso de picante produz irritação, violência, inveja, ciúme, agressividade. Quando a pessoa se zanga muito precisa de evitar o picante e comer doces para arrefecer e acalmar.

Apesar de possuir as virtudes mencionadas acima, o picante produz vertigem, perda da consciência, choque, tonturas, desmaio, soluços, insónia, secura da garganta, palato e lábios, sensação de ardor e elevação da temperatura corporal, e leva à perda do vigor no caso de ser ingerido em grandes quantidades com exclusão dos demais sabores. Quando ingerido em excesso, resseca, perturba todos os problemas de Pitta, aumenta o calor, perturba a digestão, aumenta a bílis, emagrece, provoca ardor por todo o corpo; causa debilidade. A acção penetrante do picante provoca inflamação, irritação e ulceração.

Ácido… ou azedo

Constituído de Fogo e Terra, o Amla é azedo, ácido, fermentando facilmente. Aumenta o Pitta e o Kapha, diminui o Vata. O Ácido é leve, quente, líquido e oleoso por natureza e estimula o metabolismo. O ácido deve ser considerado um digestivo do alimento assimilado e é dotado de propriedades resolutivas, aperientes e carminativas. É alterativo (purifica o sangue), limpando e desintoxicando. Reduz todos os tecidos e aumenta a leveza da mente. É antibiótico e antisséptico e também purifica a mente e as emoções. Em pequena quantidade estimula a digestão. Auxilia a digerir os açúcares e gorduras.  É refrescante, mas aumenta a sede porque seu Virya é quente aumentando o calor. Estimula o apetite e ajuda à secreção da saliva.

Quando se coloca o sabor ácido na língua os sentidos ficam penetrantes e fechamos os olhos. Tornam os olhos, ouvidos e dentes sensíveis. Aumenta a salivação, estimula o apetite, e até certo ponto aumenta a produção de enzimas digestivas. Ácido em moderação tem um efeito carminativo e antiespasmódico. É refrescante; energiza o corpo, nutre o coração e aviva a mente. Os alimentos ácidos podem favorecer o aumento do raciocínio e a presença de espírito, isso porque estimulam o Pitta.

O sabor ácido traz compreensão, apreciação, reconhecimento e descriminação. O ácido é penetrante fomentando o estado de alerta e de atenção. Contudo o excesso induz ao criticismo, julgamento, ciúme e ódio. Torna a mente agitada, hiperactiva, e tão discriminativa que a pessoa se torna lentamente crítica. No final das relações surge muitas vezes o sabor ácido na boca, sinal de julgamento e rejeição.

O excesso de ácido pode ser tóxico para o fígado e gera condições inflamatórias. Num Pitta o excesso de ácido gera indigestão ácida e rash cutâneo. O excesso de alimentos ácidos é totalmente desaconselhável pelo Ayurveda, pois os ácidos, principalmente do álcool, do vinagre e dos vinhos são tóxicos. Pode levar ao aumento do pH do sangue causando ardor no estômago, garganta, peito, coração, bexiga e uretra.

Adstringente

O adstringente é gerado pelo Ar e Terra, sendo por isso frio, seco e pesado por natureza. Aumenta o Vata, equilibra o Pitta e reduz o Kapha. É muito leve, seco, forte, esfria e limpa o corpo. Produz secura na boca, perda da sensibilidade no palato, que obstrui a garganta e dá origem a uma sensação de atração ou pressão na região do coração. Possui a virtude de ser anti-inflamatório, descongestionante, curativo, constritivo (stambhana), purificador, liquefaciente, secante e capaz de produzir contração.

O adstringente melhora a absorção e cria coesão nas fezes. Ele reduz as secreções de membranas mucosas. Reduz sangramentos, úlceras e outras eliminações excessivas (como suor e diarreia); promove a coagulação e constrição dos vasos sanguíneos. Promove a saúde da pele e membranas mucosas.

Em excesso pode produzir secura da boca, distensão abdominal, espasmos, perda da fala, torcicolo e calafrios. Faz perder peso sem saúde, resseca o corpo, resseca a boca, provoca obstipação, convulsões,  obstrução da fala, pode afectar o coração se consumido em excesso, diminui o esperma e o apetite sexual, estagna a circulação sanguínea; favorece as paralisias e outras desordens neuromusculares de Vata.

Psicologicamente o elemento terra promove o apoio e o enraizamento. Agrega as coisas e torna a mente organizada, colocando tudo no sítio certo. O excesso torna a mente dispersa e desorganizada. Pode criar insónias, medo, ansiedade assim como rigidez, fixação, dureza e estagnação emocional. A depressão também surge ligada à ingestão excessiva de adstringente.

Aplicar os seis sabores no quotidiano

Como referido anteriormente, os seis sabores deverão fazer parte de cada refeição, como forma de trazer ao nosso cérebro, sob a forma de alimentos, uma diversidade e riqueza de informação neurológica sobre o nosso mundo físico e subtil. Cada sabor tem uma ação concreta sob cada um dos humores, sendo deste modo que na Ayurveda adequa a dieta a cada tipo de constituição. O paladar, muito para além de preencher os nossos apetites, é uma fonte de informação sensível e segura através da qual podemos orientar e reequilibrar as emoções.

Limpeza da língua | Redescobrir o paladar com a Ayurveda

A limpeza da língua remonta a tempos ancestrais como uma antiga recomendação ayurvédica, referenciada no Charaka Samhita, um antigo texto ayurvédico. A remoção do revestimento e estímulo da língua ajuda a equilibrar as qualidades pesadas e entorpecentes do Kapha, e a purificar o corpo removendo a Ama. Na Ayurveda, a Ama refere-se a qualquer acumulação de resíduos tóxicos na mente-corpo. Isso pode resultar de uma alimentação inadequada, má digestão ou reflexo de um desequilíbrio em algum ponto do sistema digestivo.

De uma perspectiva ayurvédica, a raspagem da língua deve ser realizada diariamente. Esta antiga prática ajuda a estimular os órgãos internos através de conexões energéticas com o resto do corpo, melhora a digestão aumentando o sentido do paladar e remove as bactérias da cavidade oral. A língua é o espelho para todos os órgãos do corpo, sendo usada na Medicina Ayurvédica para avaliar a saúde de todo o corpo. A observação de um revestimento espesso na língua é sinal de acúmulo de toxicidade.

O ritual da limpeza da língua pode tornar-se um momento de autoconsciência, em que observamos refletidas as nossas escolhas alimentares dos últimos dias, meses ou anos, percebendo como as nossas escolhas afetam a nossa saúde.

A medicina ocidental começa também a reconhecer o revestimento na língua como um sinal de desequilíbrio de queratina na língua. Em circunstâncias normais, a quantidade de queratina produzida e a quantidade que é eliminada pela ingestão de alimentos é equilibrada. Quando a dieta é muito mole (Kapha) ou a cavidade oral está irritada de alguma forma, a queratina pode acumular-se. Quando as bactérias se desenvolvem nessa camada de queratina, pode levar à descoloração do revestimento, que muitas pessoas notam.

A língua

A língua é um órgão cónico com grande mobilidade, constituída por 17 músculos. O seu corpo é revestido por uma mucosa. Na parte superior da língua, o dorso, estão presentes várias papilas que são receptores para sensação do paladar. Em cada zona da língua há tipos de papilas gustativas que interpretam os diferentes sabores dos alimentos.

A cor, a forma, o grau de humidade, o movimento e o revestimento da língua, bem com certas zonas, são usados para diagnosticar o estado dos órgãos internos. É frequente a desarmonia manifestar-se primeiro na língua, antes dos sintomas começarem a fazer-se sentir no resto do corpo. Uma língua saudável tem uma cor vermelha pálida, apresenta-se bastante húmida, encaixa-se bem na boca e tem um revestimento, uma saburra, uniforme levemente esbranquiçada, com uma textura macia e flexível.

Cada zona da língua, corresponde a um órgão diferente do corpo. Estas zonas podem apresentar-se húmidas ou secas, finas ou inchadas, pálidas ou avermelhadas, de acordo com o órgão que está em desequilíbrio. Por vezes, a língua apresenta manchas avermelhadas na extremidade, o que pode indicar uma tendência para estados de desequilíbrio emocional.

Quando observamos a língua, observamos a forma como o Prana se movimenta no nosso corpo. O Prana é a energia vital, a energia do Universo, e na língua expressa qual dos órgãos está em desequilíbrio. Pela mesma razão, inchaços, depressões, etc., tudo indica que o órgão está congestionado.

Uma língua de tipo Vata é habitualmente estreita, com rachaduras e fissuras, tendendo a ser pálida e desigual, com um revestimento acastanhado. Quando surgem desequilíbrios de Vata, a língua apresenta-se seca, escura e áspera, com pequenas fendas em toda a língua, pontos inchados na zona dos rins ou no cólon, podendo ter também pequenas pústulas, borbulhas, escuras, apresentar uma película sobre intestino grosso e /ou do intestino delgado, e ter um sabor agridoce.

Uma língua de tipo Pitta tem normalmente um tamanho médio, apresentando-se vermelha, e com revestimento esverdeado. Quando surgem desequilíbrios de Pitta, a língua apresenta-se vermelha, com uma película esverdeada ou amarelada centrada no meio da língua, eventualmente com feridas, úlceras brancas e frias, pontos de inchaço sobre o fígado, baço ou pâncreas, e/ou pontos vermelhos, brilhantes sobre os órgãos digestivos, e um sabor amargo na boca.

Uma língua de tipo Kapha é geralmente grande e pálida, com revestimento esbranquiçado. Quando surgem desequilíbrios de Kapha, a língua apresenta-se branca, ou com uma película oleosa e esbranquiçada, em particular na ponta, com saliva abundante, depressões nos pontos dos pulmões, pontos de inchaço ou de depressão no coração, com sabor doce e algumas vezes sente o sabor salgado.

A limpeza da língua

Durante a noite as toxinas (ama) a serem expelidas pelo organismo vão-se dirigindo para diversos pontos de saída. A língua é um deles. Torna-se por isso necessário elaborar-se uma higiene diária da língua, de forma a remover-se essa película de toxinas acumuladas sobre ela, sobretudo antes da ingestão de qualquer alimento. Esta acção vai permitir uma acentuada clareza do sentido do paladar, para além de evitar que voltemos a ingerir a ama acumulada.

Raspar a língua diariamente remove qualquer acumulo na língua, que se permanecer, pode levar ao mau hálito e pode abrigar um número significativo de bactérias. Esta é uma prática simples e direta para remover a Ama. Na visão da Ayurveda, a remoção do saburro melhora a capacidade de saborear a comida, o que por um lado a torna mais aprazível, e por outro, aumenta a capacidade de identificação dos sabores nos recetores da língua, já que muitos dos fitonutrientes benéficos e sinais que o alimento contém são primeiramente interpretados pela mente-corpo em contato com os recetores na língua. A limpeza e a remoção do revestimento removem as interferências na interpretação desses sinais, e melhora a comunicação entre o alimento e o corpo. Na Medicina Ayurvédica constatou-se que muitas ervas revelam os seus efeitos benéficos a partir do contato inicial com os recetores na língua. Precisamos, por isso, de uma língua limpa para receber essa informação de forma clara e saudável.

Idealmente, devemos usar um raspador de língua todos os dias de manhã, e antes da ingestão de qualquer alimento ou bebida. O Charaka Samhita afirma que “raspadores de língua devem ser feitos de ouro, prata, cobre, estanho e latão e devem ser não afiados e curvos, de modo a não ferir a língua”. O ideal seria que o tipo Vata utilize um raspador de cobre, o Pitta um de ouro, e o Kapha use um de prata. Os raspadores de aço inox podem ser usados por todas as pessoas, resistem à corrosão, e também são eficazes. É importante ressaltar que embora possamos usar a escova de dentes para limpar a língua, o raspador é sobejamente mais eficiente no cumprimento dessa tarefa.

A língua deve ser raspada suavemente de trás para frente por 7 a 14 vezes. O raspador pode ser enxaguado entre os cursos se houver muita acumulação. Algumas pessoas relatam a estimulação do reflexo de morder durante a raspagem, o que pode indicar que a limpeza está a ser muito agressiva. Se isso ocorrer, deve-se reiniciar com uma limpeza mais suave, e iniciar um pouco mais para a frente na língua para evitar o reflexo de engasgar.

Enxaguar o raspador de língua em água quente, e secá-lo será o suficiente para mantê-lo limpo. Para uma medida adicional, pode-se limpá-lo com um cotonete com álcool sem, contudo, ser necessário numa base diária.

Benefícios de raspar sua língua

Os nossos corpos estão constantemente expostos às toxinas da nossa comida, bebidas e meio ambiente; até os nossos próprios resíduos metabólicos e emoções estagnadas podem levar à toxicidade. Quando as toxinas inadequadamente digeridas e eliminadas, elas acumulam-se no corpo e começam a comprometer o nosso bem-estar e imunidade. A limpeza da língua é uma medida preliminar para eliminar o corpo do acumulo indesejado de toxinas.

A remoção da Ama na língua ajuda a aumentar a clareza da mente. Quando os corpos físico e emocional estão equilibrados, estão criadas as condições para que um despertar espiritual ocorra. A limpeza da língua tem um efeito revigorante, aumentando a nossa consciência do nosso estado de saúde, promovendo um hálito fresco e uma excelente higiene oral, enquanto se libertam toxinas, bactérias e células mortas da língua, e melhora o sentido do paladar. A digestão fica beneficiada pela correta interpretação das propriedades dos alimentos, enquanto a raspagem também massaja suavemente todos os órgãos internos.

Efeitos secundários da limpeza da língua

A limpeza da língua pode estimular o reflexo do vómito, devendo-se por isso evitar colocar o raspador longe demais no interior da boca. Quando se começar a raspar, pode ser útil raspar do meio da língua até a ponta. Começar gradualmente a partir de mais longe, à medida que se cria o hábito com a sensação de raspar.

Também é possível cortar acidentalmente a superfície da sua língua com o raspador. Para evitar que isso ocorra, é importante verificar se o raspador de língua tem bordas irregulares, realizando essa inspeção antes de cada uso. Devemos estar cientes de quanta pressão aplicamos, sendo gentis o suficiente para evitar prejudicar o paladar, quebrar a pele ou ferir as papilas gustativas, e firmes o suficiente para raspar o excesso de detritos. Em caso de dúvida, devemos começar suave e gradualmente aumentar a pressão.