Longevidade. A palavra longevidade reporta-nos ao tempo que temos ainda para caminhar e aprender na Terra. Na Ayurveda, os cuidados para a longevidade estão intrínsecos ao conceito de qualidade de vida e de prevenção, e estão presentes desde que nascemos neste mundo.
O primeiro capítulo do Charaka Samhita, um dos tratados mais antigo de Ayurveda, é chamado de “A busca pela longevidade”, e embora a longevidade seja diferente de imortalidade, na Ayurveda aceita-se que todos nós temos etapas evolutivas na nossa vida física, e se desejamos aspirar a estados superiores de consciência podemos fazê-lo através de práticas de yoga, e através da Ayurveda, que se apresenta como um guia para alcançar a saúde e a autorrealização para toda a vida.
Recomendações para a Longevidade
Existem formas simples e quotidianas de preservar a nossa energia e aumentarmos a nossa longevidade que podem ser observadas na nossa rotina diária.
Seguirmos o ciclo do sol. Acordarmos de madrugada. Ouvirmos os pássaros. Reservarmos um momento para nos concentrarmos e meditarmos antes de começarmos o dia. A vida é preciosa; o momento que tomamos para nos maravilharmos com a magnificência do nascer do sol, e para honrar a oportunidade de viver cada dia com propósito, permite-nos acrescentar conteúdo a cada minuto que vivemos.
Descansar. As pesquisas atuais confirmam algo que a Ayurveda tem ensinado por milhares de anos – que o sono mais benéfico acontece entre 20h e as 4h. Regra prática: irmos para a cama duas horas após o pôr do sol e acordar ao nascer do sol. Isso significa que dormimos mais no Inverno e menos no Verão. Ao seguirmos esta regra, poderemos acordar sentindo-nos revigorados, energizados e prontos para lidarmos com o mundo com um sorriso descansado no rosto.
Comermos comida verdadeira. Tanto quanto possível, comermos produtos frescos locais, grãos e leguminosas, e consumirmos produtos de origem vegetal orgânicos, laticínios orgânicos, e produtos de origem animal com respeito pela forma como foram criados.
Passarmos algum tempo na natureza. É a melhor forma de refrescarmos os sentidos, de reajustarmos a mente, e de cuidarmos do sistema nervoso. Desligarmos a televisão e o telefone, afastarmo-nos do laptop e sairmos para a natureza. Escolhermos fazer uma curta caminhada durante a hora do almoço ou depois do jantar. Sairmos algumas vezes por dia e desfrutarmos de três longas respirações profundas. Deixarmos o nosso olhar descansar no que está fora da janela, desfrutarmos de uma bela contemplação e meditação matinal. Relaxarmos próximos de uma árvore ou de um riacho. Quem mora numa área metropolitana, pode ir até o parque mais próximo e observar as formas dos galhos e das folhas das árvores. O importante é admirar o mundo natural.
Longevidade e morte na Ayurveda
A nossa atitude em relação à morte está intrinsecamente ligada à nossa expectativa de longevidade, muito embora nem todas as pessoas vivam até à velhice. O Atharvaveda, um dos quatro Vedas originais, contêm hinos ou orações para alcançar a longevidade, e o próprio termo Ayurveda que significa “conhecimento da vida”, e no mais seu puro sentido médico, muito para além do sentido metafísico, foca-se no aumento da longevidade, e no proporcionar as condições para uma vida longa e feliz.
Na Ayurveda a moderação é a chave para a longevidade e para uma boa morte. No Charaka Samhita explora-se medicamente a longevidade, tendo sido concebidos medicamentos específicos para a manutenção da idade que fazem parte da sua farmacopeia, ao mesmo tempo que reconhece os aspetos psicológicos e espirituais, e os impedimentos potenciais causados pelas doenças. No Śārīasthāna, o Charaka descreve o exame do recém-nascido em busca da aparências e comportamentos associados à longevidade, já que os rituais de longevidade começam ainda na infância.
Na tradição espiritual a longevidade também está relacionada com as ações realizadas na vida presente (purusakāra) e em vidas anteriores, e o Charaka usa alternadamente os termos karma e daiva (destino) para responder a situações que transcendem a possibilidade de cuidados médicos. As doenças kármicas são então trabalhadas e saldadas através de reflexão e entrega ao trabalho interior.
Quando surgem aspetos positivos suficientes tanto do karma como do destino, as experiências vividas estão associados a uma vida longa e feliz. Charaka observa que se o nosso tempo de vida fosse completamente predeterminado, seriam desnecessárias as práticas rituais, como os mantras, a expiação e o jejum para melhorá-lo, nem seria necessário tomar precauções como evitar répteis venenosos, inimigos ou animais ferozes. Ele compara o corpo ao eixo de um veículo: se corretamente usado, o veículo desgasta-se gradualmente, contudo se for conduzido de forma inadequada, fazendo-se mau uso do corpo (prajñā-aparādha, uso incorreto dos órgãos dos sentidos), o eixo pode desgastar-se e partir de forma prematura. A medicina pode trazer muitos benefícios, contudo, os efeitos de um karma menos positivo são considerados desafiantes de evitar.
O Charaka afirma que a velhice começa aos sessenta anos e pode chegar aos 100 anos, e durante a velhice, os tecidos do corpo (dhātus), os órgãos dos sentidos, a força, a energia, a virilidade e outras funções corporais diminuem gradualmente. A velhice também é concebida como uma das seis enfermidades e está associada à fome, à sede, à tristeza e à morte.
Com o aproximar da morte, o processo de destruição é iniciado no corpo, e as funções de vários membros e órgãos do corpo são perturbadas, dando início à drenagem de força dos membros, à cessação do movimento, à destruição do sensorial/tátil, ao comprometimento da consciência, à inquietação da mente, à aflição da mente com medo, à privação da memória e do intelecto, à mudança radical de conduta, à perda de tecido muscular e sangue, às mudanças mórbidas no odor do corpo e a sua descoloração, à secura nos orifícios do corpo, muitos deles sintomas do aumento do Vata, dosha do Ar, do vento, do subtil, do etérico em aproximação.
Fazer do ato de morrer uma obra de arte
Pensarmos na nossa morte é ainda um tema desconfortável e associado a um dos medos mais comuns no Ser humano, constituindo um assunto quase tabu. A cultura ocidental tem um foco no conceito mais solar da Vida, deixando pouco espaço para a profunda integração diária do conceito que nos traz sentido, significado e profundidade a cada dia que vivemos: a morte.
“A morte só é bela para aqueles que viveram com beleza, que não tiveram medo de viver, que foram suficientemente corajosos para viver – que amaram, que dançaram, que celebraram. A morte chama-se a derradeira celebração. Por outras palavras: o que quer que a sua vida tenha sido, a morte revela-o.” Osho, “A Vida, o Amor e o Riso”
As culturas que integram a aceitação da morte nas suas rotinas diárias, prezam com maior atenção pelas suas palavras, ações, ligações e relações, e estruturam o seu quotidiano, com a consciência de que todos os dias são bons dias para serem o último das suas vidas. A morte, o ato de bem morrer e a imortalidade aparecem desde sempre ligados aos campos cultural e religioso, para além de estarem naturalmente aliados ao campo médico, em muitas civilizações ao longo de milhares de anos.
Cuidados paliativos na Ayurveda
Os Doshas
A Ayurveda suporta o equilíbrio em todos os aspectos da vida física, emocional e mental e espiritual, respeitando a singularidade de cada ser humano, enfantizando a prevenção, e capacitando o indivíduo de assumir a responsabilidade pela sua saúde e pelo seu próprio bem-estar.
Na Ayurveda, o corpo humano é constituído pelos três doshas, que são forças da natureza e humores – o Vata, Pitta e Kapha –, que se combinam na tapeçaria da vida. Num nível cósmico, pode-se dizer que o Vata relaciona-se com o vento, o Pitta relaciona-se com o sol, e o Kapha relaciona-se com a lua e a terra. Em suma, os doshas são forças que governam a fisiologia do ser humano, e geram um corpo e uma personalidade psicológica única no momento da conceção. Em Ayurveda a saúde ou a doença em é compreendida em termos do equilíbrio existente entre os três doshas. Quando os doshas se desequilibram entre si, surge um distúrbio no funcionamento do corpo e/ou da mente.
O Vata representa as forças do movimento, e é ativo e dinâmico, como o vento. O Vata faz as coisas acontecerem no corpo e na mente e é responsável por todos os movimentos, incluindo a respiração, a circulação e o movimento dos pensamentos. As pessoas que têm uma predominância de Vata podem ser borboletas sociais enérgicas, vivazes, com personalidades muito vibrantes, entusiásticas e criativas. Quando o Vata está desequilibrado, a pessoa pode ficar volúvel, inconstante, temerosa e insegura. O excesso de Vata pode manifestar-se em preocupação, num sistema nervoso frágil, ansiedade e exaustão. Para equilibrarem-se os pacientes com desequilíbrios de Vata precisam de muito apoio, suporte, nutrição e um profundo senso de conexão com os outros.
A força do Vata é seca, fria e leve. É o dosha que governa o esgotamento, a destruição, a decadência, a necrose, a debilidade, a dissolução e o processo de definhamento e encerramento. Por essas razões, está especialmente relacionado com o processo ativo de morrer. Sinais de morte iminente, como mudança de odor, o encerramento dos órgãos do corpo, a instabilidade da temperatura central, a respiração gorgolejante (estertor da morte), e a manchas na pele são todos sintomas de Vata. A agitação terminal, o comportamento de um paciente moribundo de responder de forma imprevisível, também está ligada ao Vata, e pode incluir falar com aqueles que já partiram, estar distraído ou ausente, a ausência de resposta, crises de choro ou gritos e outros comportamentos que exibem o movimento rápido e o dinamismo de Vata. Nos cuidados paliativos, os Vata beneficiam especialmente de terapias que envolvem o toque e os sons calmantes, enraizantes e pacíficos.
O Pitta representa as forças de transformação e de metabolismo do corpo e da mente. É muito ativo no sistema digestivo, no fígado, nos olhos e no aspeto racional do intelecto. O Pitta permite que os alimentos se transformem em energia e as experiências se transformem em opiniões, análises e avaliações. O Pitta é quente e ígneo, e tem qualidades ásperas, cortantes e luminosas. Indivíduos com muito Pitta na sua constituição podem frequentemente ser confiantes, organizados, motivados, brilhantes, apaixonados e disciplinados. No entanto, como o fogo, Pitta pode facilmente espalhar-se. Isso cria um excesso de calor no corpo e na mente, expressando-se em explosões, raiva, acessos de ira, críticas, ressentimento e ciúme.
O processo de morrer é descontrolado e impreciso, e isso pode ser um desafio para os indivíduos Pitta, que podem ser excessivamente controladores e exigentes, especialmente em tempos de stress. Pessoas de forte vontade que estão acostumadas a serem líderes e a fazerem as coisas acontecerem, descobrem que deixam de ter controle sobre o processo de morte, e isso é difícil para o Pitta. Por vezes, os pacientes Pitta e/ou familiares são muito diretos e intensos, e comunicam-se de uma forma explosiva e cortante devido aos seus sentimentos de desamparo e impotência. As estratégias para apoiar os pacientes e familiares de Pitta no processo de morte incluem formas de aromaterapia calmante e de arrefecimento, relaxamento e difusão do stress, práticas de respiração como o pranayama, o yoga nidra e a meditação guiada.
O Kapha representa as forças de estabilidade e a estrutura do corpo e da mente, e é o recipiente para o Vata e para o Pitta. O Kapha fornece a forma física e a estrutura material do corpo, e estando ligado às qualidades da terra e da água, sendo húmido, denso, pesado, lento e estável. Na mente, o Kapha descreve as qualidades de gentileza, calma, consistência e confiabilidade. Indivíduos com muito Kapha na sua constituição podem frequentemente ser carinhosos, afetuosos, compassivos e leais. No entanto, quando o Kapha está desequilibrado, essas mesmas qualidades podem tornar-se teimosia, letargia, retraimento, depressão e problemas de apego e possessividade. As pessoas Kapha, ao contrário das Vata e das Pitta, mudam muito lentamente, contudo, uma vez que a mudança seja implementada, eles são estáveis e duradouros nos seus novos hábitos.
Ao trabalhar com indivíduos Kapha na jornada da morte e da agonia, é importante entender que eles podem passar por um processo de luto mais longo, e uma resistência maior à transição. Emoções aquosas, como lágrimas, podem estar presentes. Os Kapha também pode internalizar emoções evitando demonstrá-las, embora as sintam profundamente. Honrar os relacionamentos é muito importante, assim como o autocuidado para cuidadores e famíliares que criaram apegos profundos com pessoas que faleceram.
Gunas
Para compreendermos a terapêutica psico-espiritual ayurvédica, é preciso também compreender o conceito de Gunas. Guna é uma palavra sânscrita que significa atributo ou qualidade, e descreve o estado de espírito ou de consciência de uma pessoa. Os três Gunas são Sattva, Rajas e Tamas. O Guna Sattva descreve um estado de consciência que é pacífico, calmo e equilibrado. O Guna Rajas descreve um estado de espírito cheio de movimento e atividade, criando constantemente turbulência e drama. O Guna Tamas descreve um estado de consciência que é inativo, inerte, embotado e paralisado. Para exemplificar na vida prática, uma pessoa que é vegetariana, pratica yoga diariamente, medita diariamente, é emocionalmente estável, e tem um bom equilíbrio trabalho/vida pessoal pode ser descrita como sáttvica; uma pessoa que trabalha no campo corporativo que é altamente comprometida e motivada, gasta a maior parte do seu tempo no trabalho, joga muito, é um desportista competitivo e come carne todos os dias pode ser descrito como rajásico; e uma pessoa que fica em casa o dia todo no sofá a ver televisão, a comer comida do micro-ondas, e sem praticar exercício pode ser descrito como tamásico. ”
Chakras
Os chakras são centros de energia no corpo que mostram a forma como a força vital dirige e orienta o corpo físico através do sistema nervoso. Os chakras são compostos de energia que varia entre estar mais aberta, fluida e funcional, e mais fechada e bloqueada. Já que os chakras estão situados numa camada subtil agregada ao corpo físico, e eles podem ser trabalhados por meio de técnicas energéticas, como a meditação, a mantraterapia, a cromoterapia e a visualização. Os sete chakras principais correspondem ao movimento da energia através da espinal medula.
Prana e Ojas
O Prana é a força vital por detrás de toda a criação à qual cada pessoa está ligada por meio da respiração. O processo de respiração traz o Prana para o corpo. Indivíduos com o Prana saudável irradiam uma forte sensação de vivacidade, vibração e brilho, e transbordam de vida.
O Ojas relaciona-se com a força do sistema imunológico. Um Ojas forte cria resistência física e mental constante ao stress. Indivíduos com o Ojas forte são centrados e firmes, e menos reativos do que aqueles com Ojas fraco. Um Ojas fraco cria hipersensibilidade ao meio ambiente, bem como uma sobrecarga sensorial, e diminuição da função do sistema imunológico. Indivíduos com o Ojas esgotado geralmente ficam exaustos física e emocionalmente.
Preparação para a morte consciente
Vários textos antigos, como o livro Tibetano dos Mortos, ilustram o processo de transição da morte, e tecem recomendações sobre a forma mais pacífica de cumprir essa jornada. Considera-se que a Alma é imortal, e que o corpo é um veículo, é um recipiente que contém a centelha divina, e que permite que a divindade se experimente numa dimensão mais densa, que é a dimensão física, e a realidade que nós conhecemos.
De modo a construirmos o caminho para a boa morte, é necessário começarmos por percorrermos a jornada da aceitação. Existem várias práticas que ajudam a transformar o processo de morrer numa arte, e o fulcro dessas práticas é geralmente ajudar os sentidos a manterem-se focados e sadios de modo a que a transição seja o mais consciente e tranquila possível.
No Charaka Saṃhitā, o moribundo é referido como o florescido, com base na associação com o ciclo da semente, fruto e flor. Esse florescimento está também associado à mudança do odor corporal que anuncia o fim da flor.. Uma metáfora semelhante é encontrada nos Upanishads: como uma fruta “é solta do seu caule, então o espírito do homem é solto do corpo humano e retorna da mesma forma para a vida de onde veio”.
Terapias Ayurvédicas de suporte
Aromaterapia
Aromaterapia é o uso do olfato para a cura. Os óleos essenciais de alta qualidade destilados de fontes vegetais podem afetar o humor, equilibrar o sistema nervoso e ajudar a acalmar e refrescar o corpo e a mente. O sentido do olfato é percebido por meio da parte evolutivamente mais antiga do cérebro, o sistema límbico, que responde aos estímulos instantâneos que ocorrem sem pensarmos. Os aromas têm a capacidade de penetrar profundamente no cérebro e alterar quimicamente o funcionamento dos sistemas nervoso e endócrino. Estudos descobriram que a massagem com aromaterapia diminui a ansiedade, promove o relaxamento e estimula a função do sistema nervoso autónomo, especialmente em casos de cuidados paliativos.
A aromaterapia pode provocar um estado de consciência sáttvico, espiritualizando o processo de morte, permitindo maior paz e serenidade nos estágios finais da vida, e despertando uma consciência superior. O perfume tem o poder de nos trazer de volta ao alinhamento com nosso eu autêntico. Os óleos com essa propriedade têm sido usados em muitas tradições espirituais do mundo, como o olíbano (incenso) que cria um espaço de pureza no qual as virtudes superiores podem surgir, e o sândalo e a rosa que são outras ervas que possuem essa qualidade sagrada.
A aplicação da aromaterapia num ambiente de cuidados paliativos pode assumir várias formas, todas simples e fáceis de usar. Os óleos essenciais podem ser adicionados a uma banheira com água morna para molhar os pés ou as mãos, adicionados a um óleo de massagem, vaporizados com um borrifador cheio de água, ou colocarem-se algumas gotas de óleo essencial numa pedra porosa ou numa bola de algodão para perfumar o ambiente. Deve-se tomar a atenção de evitar o contacto direto dos óleos essenciais com a pele.
Os melhores óleos para reduzir a ansiedade, o stress e as preocupações são a lavanda, a camomila, a sálvia, a erva-cidreira, o gerânio rosa, o alecrim e o sândalo. A lavanda cria uma atitude calma e positiva e estimula as secreções cerebrais de serotonina, além de relaxarr e acalmar o sistema nervoso. A erva-cidreira, também conhecida como melissa, é um excelente restaurador do sistema nervoso. O alecrim é conhecido por aliviar a tensão emocional e promover o bom humor. O sândalo é conhecido por aliviar a irritabilidade que decorre da ansiedade. A camomila é um sedativo específico para a ansiedade e o stress. A sálvia é útil em casos de desespero decorrentes de ansiedade e stress.
Massagem e Toque Suave
A massagem tem uma longa história como parte integrante de muitas tradições sanadoras, incluindo a Ayurveda. A massagem ayurvédica pode alimentar os sentidos e nutrir o corpo e a mente por meio da aplicação do toque terapêutico. Suporta um sono reparador e uma mente tranquila e feliz. Um estudo recente de práticas complementares em ambiente de sanatório descobriu que a massagem para além de ser benéfica para o cuidado do paciente, foi relatada pelos próprios pacientes como o tratamento mais benéfico que eles recomendam. Compartilhar a massagem com um paciente ou ente querido pode ser uma expressão profunda de amor, cuidado e compaixão. Quando se cuida de alguém que está internado, é importante manter um toque sáttvico, que seja leve, suave, suave, equilibrador, harmonizador, quente, agradável, doce e nutritivo. Quando a massagem é feita com amor, cuidado, gentileza e sensibilidade , isso aumentará o sattva no paciente. Os benefícios curativos da massagem e da aplicação de óleos acumulam-se com o tempo e também são imediatamente benéficos para a pele, para os músculos e para o sistema nervoso.
A massagem é recomendada para pacientes com o Vata alto, dor e hipersensibilidade, bem como qualquer perturbação da mente, emoções e sistema nervoso. O óleo de sésamo e o óleo de amêndoa são recomendados porque amaciam os tecidos do corpo. Os óleos essenciais suaves e doces, como o sândalo, a rosa e a lavanda, podem ser adicionados. A massagem suave dos pacientes é recomendada três vezes por semana, ou mesmo diariamente. A frequência dessa prática permite que óleos e ervas penetrem profundamente na pele, criando mudanças permanentes.
Quando a massagem do corpo for impossibilitada pode-se optar por uma simples massagem nos pés e/ou no couro cabeludo, tendo na mesma muitos dos mesmos benefícios terapêuticos que a massagem corporal, aliviando a insónia e a fadiga. A massagem na cabeça pode relaxar o corpo inteiro, relaxando o sistema nervoso e aliviando a tensão mental e o stress, especialmente se for possível usar-se o óleo de Brahmi.
Altares e cromoterapia
As imagens visuais que captamos por meio do nosso sentido da visão podem trazer prazer ou dor. O sentido da visão pode desencadear memórias, sentimentos e pensamentos sáttvicos, rajásicos ou tamásicos. O uso habilidoso da cor pode adicionar harmonia psicológica e paz de espírito, e contribuir positivamente para o bem-estar emocional do paciente durante o processo da morte. Isso acontece um nnível muito subtil e os efeitos psicológicos da cor nem sempre são conscientemente aparentes para o observador. A cor é a energia vibracional que entra no olho e vai diretamente para o cérebro e para a mente.
A cromoterapia pode ser aplicada de várias formas que incluem cercar-nos de cores por meio de roupas, lençóis, coberturas de janelas, opções de tintas, lâmpadas coloridas, flores, velas, obras de arte e imagens da natureza. Luzes suaves podem ser usadas em vez de luzes fluorescentes ou néon, e lâmpadas de espectro total podem ser usadas no Inverno. A escolha da decoração com consciência dos efeitos específicos de cores diferentes pode acalmar a mente e aumentar o Sattva.
A cor do ouro é especialmente poderosa para harmonizar a mente, fortalecer o coração e apoiar o Ojas e a saúde do sistema imunológico e endócrino. O ouro também fornece estabilidade, alivia a ansiedade, eleva o espírito e oferece maior perceção e transformação da consciência. Por estas razões, o ouro é altamente benéfico em ambientes de cuidados paliativos.
As cores branco e azul também podem ser utilizadas terapeuticamente. O branco invoca a pureza, a virtude e a espiritualidade, e acalma o coração, a mente, os nervos e as emoções. Promove a meditação e a consciência espiritual e apoia um estado de espírito expansivo, fluido, claro e sem esforço. Embora esses aspetos sejam benéficos, o branco pode aumentar o Vata e é recomendado ser usado com contenção. O azul espiritualiza a raiva, é um antídoto para a mente crítica, e reduz o apego de Pitta, porém, o azul é muito frio, leve e seco e em excesso pode aumentar o Vata.
Outra forma de experimentar as cores é criando um altar. Um altar cria um espaço sagrado físico e tangível para facilitar a paz mental e espiritual. A co-criação de um altar com um paciente permite intimidade, conexão, enraizamento e criatividade. Qualquer objeto que tenha significado e forneça inspiração pode ser usado.
Mantras, música e afirmações
O sentido da audição, assim como o sentido da visão, pode ser usado para criar harmonia e paz, ou para agitar e perturbar a mente e o corpo. A audição é o primeiro sentido que se desenvolve no útero. O feto reage à voz da mãe e aos sons externos aos 4 meses e meio. A audição é o último sentido a desvanecer durante a transição das pessoas para a morte, e mesmo os pacientes que respondem pouco podem ouvir o que lhes é dito. Música relaxante, mantras edificantes como ‘om’ e afirmações são todas ferramentas sáttvicas que podem ser incorporadas no acompanhamento da pessoa em transição.
Uma afirmação é uma frase positiva e pessoalmente inspiradora, e é uma ferramenta poderosa para focalizar a intenção positiva e neutralizar o condicionamento negativo anterior. As afirmações podem ser usadas para mudar a consciência e as crenças limitadoras. Elas podem ser reproduzidos em segundo plano, repetidos em voz alta pelo paciente ou cuidador, escritas e colocadas ao redor do espaço ou repetidas mentalmente. Pacientes e cuidadores podem desenvolver as suas próprias afirmações ou usar as existentes, como: “Que eu esteja livre do sofrimento”, “Que eu esteja em paz”, “Que meu coração floresça”. Outras afirmações úteis são: “Estou em paz neste momento”. “Eu liberto-me do controlo e abraço o desconhecido”. A repetição de afirmações cria a abertura na mente e no coração para receber o que é esperado. Se possível, as afirmações devem ser repetidas ou colocadas em segundo plano ao longo do dia.
Os Mantras são formas sonoras que criam uma mudança na consciência. Assim como as afirmações, eles podem ser cantadas em voz alta ou internamente, ou escutados na música. Para pacificar o Vata e criar Sattva, os mantras precisam de ser suaves, quentes, calmantes e relaxantes. Os pacientes devem apenas cantar em voz alta brevemente, se possível, pois isso pode esgotar a energia. O mantra ‘Om’ equilibra mente, corpo e espírito, promove a consciência, harmoniza o sistema nervoso e limpa a energia. O mantra ‘Hum’ pode ser usado para estabilizar, enraizar, acalmar e trazer alegria, felicidade e contentamento, e é especialmente útil quando o Vata elevado. Os mantras ressoam nos chakras e ajudam a espiritualizar a consciência num nível subtil.
A música pode apoiar o processo de morte de várias maneiras, desde o alívio do stress até o apoio à beira do leito e a recuperação do luto. Como a música atinge uma parte profunda e irracional da mente, ela é ideal para mudar sentimentos como a tristeza, o medo, a ansiedade, a perda e a raiva que criam Rajas na mente. A música pode libertar sentimentos bloqueados ou dolorosos e pode estimular os positivos, como a esperança, o amor, a compaixão e a gratidão. Podem ainda ser usados sons binaurais que facilmente se encontram na internet para aligeirar e apaziguar todo o processo de transição.
Práticas de meditação para cuidados paliativos e paliativos
A meditação é uma viagem ao centro de nosso próprio ser. A meditação pode ser feita em qualquer lugar, a qualquer hora, sentado, deitado ou a caminhar. Pode-se meditar com um mantra, um pensamento ou sentimento, contemplar a natureza, reflectir sobre o Divino, sentir amor puro, ou com qualquer técnica que permita maior presença, enraizamento e paz interior. A meditação é uma arte de trazer harmonia ao corpo, à mente e à consciência. Ela tem se mostrado clinicamente benéfica na cura do corpo e da mente trazendo alívio às pressões da vida quotidiana. À medida que relaxamos, o coração bate mais devagar e a pressão arterial diminui. A meditação ajuda a calibrar os mecanismos de resposta para que possamos reagir com mais calma a situações adversas. Dá-nos a capacidade de estar mais centrados, enraizados e termos mais no controlo sobre os nossos pensamentos e emoções.
Yoga nidra
Outra prática que apoia o relaxamento profundo e a espiritualização da consciência é o yoga nidra. O Yoga nidra começa com o paciente apoiado em travesseiros para maior conforto. Essa prática é guiada por uma voz suave, e existe muitas boas gravações disponíveis na internet. O Yoga nidra conduz o corpo por um processo de relaxamento total, acalma a mente e alivia a tensão e o stress. Durante o processo do Yoga nidra a mente é conduzida a concentrar-se em diferentes partes do corpo, sentindo-as distintamente e, em seguida, relaxando totalmente. Embora a intenção seja manter a atenção, a pessoa receberá benefícios mesmo se adormecer.Quando praticada com eficácia, esta técnica é tão restauradora quanto uma boa noite de sono.
Práticas respiratórias para cuidados paliativos
A respiração é a força vital primordial que governa as funções físicas e mentais. A respiração de uma pessoa é a essência da sua vida. A primeira respiração é feita logo após a chegada ao mundo, antes mesmo do cordão umbilical ser cortado. A respiração continua, ininterrupta, até a morte. Respirar é um ato inconsciente, contudo, quando escolhemos trazer a consciência para a respiração, pode-se influenciar beneficamente o corpo e a mente. A respiração consciente limpa a mente, traz calma e permite que os indivíduos conectem a sua energia pessoal com a energia universal.
Suporte para os cuidadores
Os cuidadores dos moribundos muitas vezes ficam angustiados, deprimidos e sem energia. Por vezes, eles tornam-se o segundo paciente, já que em tempos de stress, facilmente o foco fica no outro, e no exterior, e a pessoa esquece-se de dar atenção às suas próprias necessidades. É muito importante manter uma alimentação nutritiva e saudável, um sono recuperador, tempo de silêncio ou meditação, e tempo para relaxar na natureza ou com os seus entes queridos. Para quem se dedica ao cuidado de enfermos e moribundos, é especialmente importante priorizar o autocuidado, e pedir ajuda e delegar responsabilidades a outras pessoas.
Ajudar os outros a ter uma morte pacífica e digna, seja como cuidador profissional ou familiar, é um trabalho centrado no coração. Cuidadores que trabalham em sanatórios estendem habitualmente as suas energias acima e além dos limites usuais. Ter uma “boa morte” é importante para as pessoas, e contribuir para esse fim é uma vocação profunda. Para ser capaz de continuar em doação, deve-se evitar o esgotamento de si mesmo. O Ayurveda tem uma sabedoria profunda a oferecer na manutenção dessa capacidade.
A Ayurveda é um sistema antigo que pode ser usado para oferecer e prolongar a Vida, assim como facilitar e confortar pacientes em cuidados paliativos, bem como aos seus familiares e cuidadores. As técnicas exploradas e partilhadas ajudam a apoiar o relaxamento, controlar o stress e a ansiedade e criar sentimentos de paz e elevação. Essas práticas ajudam a todos os que estão envolvidos na experiência e presença da virtude da morte. Por meio da Ayurveda, podemos explorar a dimensão da espiritualidade dentro de nós, libertando uma maior capacidade de amar, de cuidar e de sermos compassivos.